quinta-feira, março 24, 2011

A caça

Eu gostava de manipular minhas vítimas. Fazer com que viessem até mim, sem nem mesmo precisar correr atrás delas. Tinha conhecimento do meu poder: a sedução. Talvez por isso, na busca de voltar a fazer o que fazia de melhor, eu tenha me interessado pelo grupinho de amigos reunido em frente a um barzinho. Apesar de não ser permitido, vivia lotado de jovens que consumiam todo tipo de bebidas alcoólicas. Mesmo em dias de semana, o bar permanecia aberto até as três da manhã, ainda mais nestas noites, nas quais o calor predominava. Noites propícias para caçar.
Enquanto observava o grupo de amigos que bebiam e davam risadas exageradas, avistei mais ao canto, uma mulher. Reconheci-a imediatamente: Zafrina.
Eu não era o único á procura de comida.
Quando me viu, seu rosto transformou-se em uma expressão de surpresa. Mas apenas por um segundo. Logo ela exibiu um sorriso malicioso, pousando o copo que segurava sobre uma bancada, e aproximou-se de mim com passos lentos e graciosos.
– Ora, ora, ora… Quem é morto sempre aparece, não é?
– Velha piada, Zafrina! Velha piada. – murmurei.
– Mas não é que você continua o mesmo? Queria poder ser como você, Sylas! Isolar-me por meses e ainda continuar bela. Fresca.
– Estou assim? – indaguei. – Sinto-me doente, fraco… Como poeira!
– Normal, não? – ela sorriu. – O que o trouxe aqui? Não venha me dizer que foi sede, pois eu sinto sede todos os dias, e você passou meses…
– Eu conheço a história, Zafrina. Obrigado. – interrompi-a.
Sua voz pode parecer doce para qualquer um, até mesmo agradável. Mas, para mim, ela era enjoativa, cansativa demais para que eu pudesse ouvir mais que três das suas palavras.
Ela disfarçou o desagrado. Não iria render-se tão facilmente. Pior para mim, pensei.
– Então? Quem será a sua escolhida? – ela indagou, olhando para as jovens garotas á nossa volta.
Todas deveriam ter por volte de uns dezessete, dezoito anos. Jovens, belas, esbanjando vida.
E Sophia morta. Reduzida á cinzas.
Balancei a cabeça, tentado afastar as lembranças.
– Se quiser a minha opinião… – ela continuou, ignorando meu silêncio. – Sou a favor da ruiva. Aquela ali...
A garota era magra, com feições miúdas. O cabelo era ruivo e ondulado, passando um pouco dos ombros; usava uma jaqueta preta e uma calça jeans. Ela ria, como os outros. Mas não segurava copo algum, diferente de todos ali presentes. Ela se divertia, era visível. Conversava animada com uma garota, provavelmente sua amiga. Esta era alta, com a face coberta de maquilagem, destacando-lhe o rosto em meio aos cabelos negros. Mas a ruiva também se esquivava de um dos garotos. Ombros largos, aparentando maturidade; mas seus atos revelavam-no um ser desprezível. Imaturo. Bêbado, talvez... não sei dizer. Ele aproximava-se dela, cambaleando. Dizendo coisas idiotas, tentando fazê-la rir. Mas ela o encarava, aborrecida.
Eram os únicos momentos em que não sorria: quando ele aproximava-se, tentando inutilmente fazê-la divertir-se com sua companhia.
– Gostou dela, não foi? – sussurrou Zafrina, em meu ouvido. – É perfeita! 
– Não, não é.
– Ora, Sylas! Não tente fingir-se de bonzinho… Você não o é! – ela riu, satisfeita.
– Ela pode ser perfeita, Zafrina. – continuei. – Mas não é o que procuro hoje!
– Que pena! – ela suspirou, irônica. – Para você. Pois ela é exatamente o que procuro hoje! – com um impulso gracioso, ela lançou-se para o meio da pista. Sorrindo como sempre.



- by Nique -
- O Filho da Noite -

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